Meus insights sobre o SXSW 2023
Há uma teoria da conspiração que defende que nada realmente existe. Nem o ambiente à nossa volta, nem a Terra, nem o Universo. É tudo apenas uma ilusão em nossas mentes. É bem difícil provar que está errada, pois para cada um de nós, a realidade é apenas nossa própria perspectiva.
Quando meus amigos começaram a me pedir para compartilhar o que me inspirou no SXSW 2023, essa idéia louca me veio à cabeça. O que eu vi, ninguém mais viu. É a minha ilusão, projetada na tela da minha mente de forma única. Pelas palestras que assisti, mas também pelas conversas que tive, pelas pessoas que conheci e mesmo pelo que li e vi nesse período, incluindo livros e notícias do que estava acontecendo em outros lugares do mundo. E teve notícia!
Essa perspectiva individual, única, solitária de uma pessoa começa mais ou menos assim:
Somos todos um só.
Os oito bilhões de indivíduos nesse mundo são inseparáveis. Estamos todos viajando juntos em uma espaçonave que chamamos de casa, e que não podemos deixar para trás. Estamos ligados através dela, protegidos por uma fina atmosfera que em conjunto, estamos destruindo. Somos a humanidade. É bastante obvio, mas quando essa mensagem é despejada, cheia de emoção, por uma mulher negra, que esteve no espaço e voltou para dividir sua inspiração com a gente, com música e poesia ela penetra na alma.
A principal bagagem que trago comigo de volta é essa ilusão de humanidade. Ela foi sendo montada por diversas conversas que absorvi como bloquinhos de lego e vou desmontar aqui aos poucos. O tema inteligência artificial dominou boa parte dessa construção. Em cada uma das discussões sobre isso, o humano se opôs ao artificial. Mesmo quem ressaltava o potencial da colaboração entre os dois deixava claro que é na diferença entre eles que está o valor.
O que nos diferencia?
E qual é essa diferença? O que será que sobrará para o ser humano que a IA não será capaz de fazer melhor? Quais são os empregos que serão criados para compensar os estimados 48 milhões destruídos (apenas nos EUA)?
Ouvi respostas defensivas como “a máquina não será capaz de criar música para humanos, não é capaz de criar emoção”. Essa é a opinião da banda New Order que há décadas usou a máquina para criar música eletrônica, de maneira inovadora, e que foi acusada de produzir canções frias! Contam que tentaram usar de forma bastante frustrada o computador Apple 2, da era paleolítica da informática, para produzir música. “Disseram que era só dizer o que ele tinha que fazer e faria”. A IA está chegando mais perto disso, certamente poderá colaborar mais conosco para rascunhar a criação. “Mas a grandeza é humana”, acredita a banda.
Será? Há anos seguro as lágrimas quando o Google me manda vídeos com registros dos meus filhos crescendo, perfeitamente sincronizados com uma música escolhida precisamente para emocionar. Imagina o que vem pela frente de potencial algorítmico emotivo.
E se não for a grandeza, a excelência, a emoção, o que é então que nos diferencia? É o propósito, a intenção. Isso é humano e foi muito discutido. Como podemos usar nosso propósito e tecnologia para materializar um futuro melhor intencionalmente?
Há quem defenda que a IA pode ser o grande equalizador, distribuindo esse potencial a todos e esmaecendo nossas diferenças, como um milagre da multiplicação dos pães. Há quem acredite no oposto, que ela vai concentrar o poder nas mãos de poucos. Difícil saber. Tendo a concordar que passaremos por um período inicial onde mais humanos serão prejudicados pela IA que os que serão beneficiados, até que possamos aprender coletivamente a usar essa tecnologia a favor das nossas intenções.
Na combinação entre humano e artificial, a nossa inteligência é que vai trazer a intenção, o propósito. Isso cabe a nós.
Somos um?
Há um grande porém. Enquanto o potencial da IA está em sua capacidade de aprender como um único algoritmo absorvendo uma multiplicidade de dados sem limite, a nossa limitação em compartilhar intenções é o que nos divide em múltiplos, incontáveis grupos. É aí que a ilusão começa a ficar paradoxal e mais interessante.
O SXSW é uma amostra incrível dessa multiplicidade. Um evento que reúne tecnologia, inovação, música e entretenimento é um grande laboratório de combinação e divergência. Um labirinto de espelhos para exercitar perspectivas totalmente diferentes (como aprender sobre branding e técnicas de criatividade com compositores) mesmo que seja para aplicar no meu próprio quadrado (startups). É um momento impiedoso com a escassez. A pluralidade de temas em paralelo em um tempo limitado nos demanda escolher o que vamos aproveitar e o que vamos perder, deixando à flor da pele o famoso FOMO (Fear of Missing Out), que já virou um atributo do evento.
Mas a multiplicidade também possibilita encontrar a sua tribo, entre tantas, e se manter separadinho de outras realidades se quiser. A união dos milhares de brasileiros presentes no evento é um exemplo disso. O ser humano gosta de se misturar com quem é parecido, com quem divide identidades. Quanto mais melhor, se fala a mesma língua, trabalha na mesma empresa, mora no mesmo país e se está no mesmo grupo de WhatsApp. E assim criamos uma colônia de mais de mil habitantes trocando mensagens e andando juntos em solo estrangeiro e visitando o Pete’s (tradicional bar de piano da cidade) para cantar Evidências.
Esse comportamento de manada do nosso cérebro primitivo nos salvou de predadores no passado. Hoje ele tenta nos proteger dos perigos do que nos é estranho. É por isso que ainda precisamos lutar tanto pela diversidade, pela inclusão do diferente e seu tratamento igualitário. E para provocar mudança de verdade nesse tema, é do nosso cérebro racional, onde mora a intenção, que vamos precisar. Taí um propósito no qual devemos nos unir, para que possamos viver juntos nas nossas diferenças.
A complexidade desse contraste é fascinante. Por exemplo, o casal perfeito de atores hollywoodianos Kristen Bell e Dax Shepard, loiros, de olhos azuis, ricos e bonitões visitava as melhores lojas para fazer o enxoval de seus filhos. Compravam tudo o que achavam que seria melhor para eles sem nem ver o preço. Foi então que se deram conta do seu lugar de privilégio e resolveram fazer algo sobre isso. Criaram uma marca de fraldas cheia de propósito, chamada Hello Bello. Usam materiais naturais, processo produtivo sustentável, se preocupam com a diversidade e inclusão no quadro de funcionários (inclusive tem uma CEO mulher) e querem manter seus preços baixos para dar acesso a toda a população a produtos de qualidade que não prejudicam o meio ambiente. Super intencional a favor do planeta e da humanidade. Mas tem mais! Propositadamente, sua fábrica é nos Estados Unidos, gerando empregos americanos e só compram de fornecedores locais. Afinal, a humanidade é uma só, mas os grupos de que fazemos parte são sempre mais importante que os outros.
Na palestra, Dax explicou que para ele o conceito de comunidade está associado não ao grupo, mas à ligação individual com os membros. No caso dele, a conexão que sente com outros pais. Como pai, também me conectei com ele e me emocionei quando relatou que a emoção da paternidade supera qualquer realização que já teve profissional. Pronto, somos parte do mesmo grupo, da mesma comunidade agora.
É isso, essa necessidade de identificação para conexão, faz parte da alma humana. No meu universo, de fundador de startup, ouvi com clareza a preferência dos investidores por empreendedores de grupos com os quais se identificam, por exemplo, que moram próximos a eles. Mesmo a International Accelerator de Austin, que investe apenas em fundadores estrangeiros, defende que, se você quer captar de investidores americanos, deve morar nos EUA e fez disso uma condição para seus investimentos. Tudo bem, entenderam a nossa natureza e estão fazendo alguma coisa para gerar mais diversidade no cenário do empreendedorismo (dos Estados Unidos).
Pluralidade e Fricção
Nesse delicioso laboratório, essa resistência ao diferente se mistura com a abertura à pluralidade. A dificuldade de consumir todo o conteúdo que se gostaria pode ser superada com a cooperação. Aqui nossa tribo brilhou, dando um show de colaboração entre indivíduos fazendo uso de tecnologia (inclusive de IA) para transcrever palestras e compartilhar anotações, e juntos puderam aprender mais que isolados.
Só assim pude me inspirar na provocação da Esther Perel, cuja palestra não assisti. Ela diz que a tecnologia é normalmente usada para eliminar a fricção, mas que esta mesma fricção é que constrói os relacionamentos. Na arena da Esther, a da afetividade, fricção de pele com pele está valendo como exemplo. Mas vamos extrapolar o conceito para nosso relacionamento em toda a sua potencialidade. É aqui que termina a tecnologia e começa a humanidade. Somos diferentes, temos propósitos diversos, intenções únicas. Precisamos dividir, discordar, confrontar, absorver, combinar e até concordar. É esse liquidificador de diferenças que nos homogeniza, criando essa maçaroca que podemos chamar de raça humana.
Somos um conjunto de oito bilhões de ilusões individuais, que tendem a se unir de acordo com suas similaridades, mas que precisam abraçar a diversidade e em última instância reconhecer nossa unidade. Não somos virus. Somos células de um organismo único chamado Terra. E como tal precisamos e vamos nos unir. Vamos usar toda a tecnologia que for capaz de criar. E ao menos um propósito temos que ter em comum: o de salvar essa casa flutuante que nos faz um só.
Essa é a ilusão da humanidade que gostaria de compartilhar com ela.
Texto maravilhoso. Merece ser publicado na mídia para mais pessoas tenham acesso. Parabéns
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